domingo, abril 23, 2006

Carta VIII

S
ão oito horas de uma primavera adiada. As andorinhas esvoaçam como

seres loucos que procuram algo que não encontram.

Também eu gostaria de ser andorinha e voar de país em país sempre à

procura de algo que nunca encontraria, é certo.

Mas esta nostalgia que me habita, que faz de mim a contradição que sou,

que me faz ter saudades de ti e de mim, que me preenche nas horas

vazias de sentido, que me diz tudo aquilo que sou e tudo aquilo que

não sou, não passa de uma ilusão. Algo que criamos apenas porque não

queremos destruir.

E então qual andrógino bipartido, semi-habitado, dotado de semi- perfeiçao

e de tudo quanto desconhece.

Lembro-me de ti tal como me lembro de mim, como se viéssemos até mim

projectados no écran de uma memória esquecida.

Olho o céu semi-azul de uma Primavera adiada. E recordo tudo aquilo

que não vivemos, tudo aquilo que necessita de tempo.

Vagueio então pelos recantos que sabemos existir, mas que ficamos sempre

à margem.

Um dia a Primavera chegará mais cedo ou então simplesmente não

chegará. E eu continuarei aqui sentada a olhar o céu e a escrever mais

algumas cartas que um dia receberás.
Kraiene

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