terça-feira, abril 25, 2006

Os cravos e a neblina

Também eu sonhei com cravos a ornamentar os olhos,
os capacetes e os canos das espigardas.
Trémula era então a luz a luz dos dias, onde a seiva, de súbito,
fermentava, de súbito explodia.
também eu sonhei com cravos e o silêncio, nas ruas da alegria.
Também eu sonhei com o 25 de Abril,
e com os seus dias coroadaos de um ébrio triunfo.
A poesia estava nas ruas, nas canções de Zeca Afonso,
nos murais de Vieira da Silva, nos poetas de Sophia de Mello Breyner,
ou nas jornadas inéditas de vida, liberdade e luta.
Era tudo novo, as gentes, as cores, os partidos.
Gostava dos dias assim, da sua frescura turbulenta,
mas por vezes perigosa, quase explosiva.
Mas eram ainda dias cheios de cravos, fulgor.
Uma nova realidade entalava-se.
Podia-se fazer tudo, pôr em prática teorias, sonhos,
experimentar as fórmulas, no passado reprimidas.
E as tentativas sucederam-se, os golpes, os contragolpes.
Com eles vieram os desvios, os tumultos, os excessos,
e as canções desvirtuaram-se.
Nas ruas, à deriva, andavam as canções da utopia,
entre cravos já murchos, cobertos de neblinas gastas.
São assim as utopias, nascem, crescem, desenvolvem-se.
Depois gastam-se, desfazem-se,
deixando, atrás de si uma aura de triunfo, magia, descoberta,
e uma mecânica fantástica, que se desenvolve
e floresce ainda, dentro de nossos olhos.
Delas restam os cravos, os cheiros e a intensidade das cores.


Maria do Sameiro Barroso

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